BUGRES E BUGREIROS DE ANITÁPOLIS E REGIÃO
ossa região era desconhecida e hostil, habitada por
nativos conhecido popularmente como bugres. Contrários a esses, surgiu uma
profissão conhecida como bugreiro ou matador de índios, sua função era caçar e
exterminar os nativos que causavam algum dano aos colonos da região.
Os índios da região sobreviviam especialmente da caça e do coletivismo, com
a expansão do Núcleo Colonial, tanto a área de coleta, quanto a caça foi se
extinguindo. Em entrevista com Ireno Pinheiro no livro Vale do Braço do Norte (Pe João Leonir Dall’alba,
1973, pag. 363) ele relata: “Naquela época Ireno, o senhor caçava; e que bichos havia na época? -
Gostava de caçar muito, principalmente veados, lembro um vez peguei quinze
veados em um só mundéu.
Com esse avanço da colonização e a escassez de alimentos, a fome obrigou os
índios a recorrer de fontes alimentares, tais como: plantações de colonos,
criações e até mesmo mantimentos das casas. Em relatos de munícipes eram comum
às histórias de familiares que tiveram contato com os bugres, várias histórias
de casas que eram saqueadas. Os indígenas invadiam as casas em busca de
alimento, levavam tudo que achavam que podia ser alimento, inclusive sabão.
Eles tinham resistência somente à carne de seca (carne de fumeiro) e quando os
mesmos a saqueavam, mais a frente descartavam, pois não era comum a utilização
do sal pelos indígenas.
A partir desse momento os bugres começaram ser vistos como criaturas hostis
e deveriam ser eliminados, antes que o problema se alastrasse. É bom deixar bem
claro que no decorrer de nossa história regional, temos poucos relatos de
ataque de indígenas aos colonos, e que os mesmos tinham mais medo dos colonos,
do que os colonos deles.
Mas, impulsionados pelo medo do
desconhecido e com a imagem que era reproduzida dos indígenas pelo europeu,
entrou em cena os bugreiros, matadores profissionais que recebiam pagamento dos
colonos ou até mesmo do núcleo para exterminar os índios.
Os bugreiros mais conhecidos de nossa região foram Zé e João Domingos, Martim
Bugreiro, Ireno Pinheiro, Henrique Vandresen e outro indivíduo conhecido como
Idalino. Esses bugreiros tornaram-se famosos na região devido suas crueldades
praticadas com os índios.
Ireno Pinheiro, popularmente conhecido
por Ireno Bugreiro, tornou-se morador do município de Santa Rosa de Lima, logo
após seu casamento em 1915. Era um
hábil conhecedor das matas da região do Vale do Braço do Norte e Encosta da
Serra Geral. Ireno foi um grande caçador de índios, era famoso por ser um
exímio atirador, até perder a visão do olho esquerdo. Certa vez ao atirar em uma
jacucaca (ave), foi atingido no olho por estilhaços de espoleta. Apesar de sua fama de matador de bugre, os moradores locais o consideravam uma pessoa boa e pacata.
Fonte: Santa Rosa de Lima: História
e Memória da Colonização e Emancipação
Muitos contam até hoje, como eram as
atrocidades praticas com os indígenas, conta-se que após a morte dos adultos,
algumas crianças eram lançadas para o alto e aparadas na ponta do facão. Depois
de todos mortos, eram retiradas as orelhas da direita para entregar aos
contratantes e comprovar o cumprimento do trabalho.
Em entrevista a João Leonir Dall’Alba, em seu livro O Vale do Braço do
Norte, Zé Domingos e Ireno Pinheiro relatam que em uma única caçada na
propriedade de Germano Kulkamp eles trouxeram quase cinquenta cintos de tucum
(cinto indígena). Ainda em entrevista Zé Domingos relata que em uma caçada
Ireno encontrou um indiozinho vivo entre os corpos e que achou engraçadinho e
resolveu levar para casa para criar. Ireno colocou o indiozinho nas costas e
começou a andar, depois de alguns minutos de caminhada o pequeno índio atacou o
bugreiro com mordidas. Ireno enfurecido
grita “tú que é morrer, seu diabo”, então ele pediu para lançar o indiozinho
para cima e ele o aparou na ponta do facão.
Diante de tantos fatos horrendos, o entrevistador João Leonir Dall’Alba
pergunta para Domingos se ele tinha algum remorso. Ele relata que a única
situação que o perturbou foi o acontecido na região de Rio do Sul. Eles estavam
caçando um grupo de índios na região, após o ataque ao acampamento, no auge da
matança ele escuta uma voz, “Não me mate, não me mate, eu não sou bugre”. O
bugreiro conta que era uma menina que tinha sido capturada pelos bugres e que
eles resolveram levar ela ao encontra da família. Em um determinado ponto do
caminho, o pensamento sinistro do bugreiro falou mais alto. Esse caso dessa
menina vai chamar a atenção dos jornais e das autoridades, todos vão querer
saber como essa menina foi salva, então vão saber sobre as matanças. Então sem
pensar duas vezes, executou a menina com um golpe de facão.
A história de Domingos chama tanto a atenção que em 2018, tornou um filme de
curta-metragem dirigido pelo cineasta Sander Hahn, juntamente o escritor
Marcello Zapelini da Rosa e a participação Edi Balod e Marx Vamerlatti. O filme
tem 19 minutos, descreve o interior de Santa Catarina como palco de um conflito
entre os nativos da tribo Xokleng e os imigrantes europeus. Em meio a isso, uma
família de colonos vive sua rotina de trabalho em sua propriedade quando é
vítima de um massacre. Passados trinta anos, o único sobrevivente, Antônio,
atormentado por lembranças sai em busca de vingança.
Cartaz do Filme sobre
Domingos Bugreiro
O trailer do filme está
disponível no Youtube, no endereço:
<https://www.youtube.com/watch?v=6Lh4ZmOQrU0>
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Outro bugreiro muito conhecido na região por ser um exímio caçador de bugres
foi Martim Bugreiro. Nascido em Bom Retiro, era um hábil conhecedor tanto da
região serrana quanto do litoral. Martim
Bugreiro ficou conhecido como o mais famoso exterminador de índios da região.
Grupo de
Bugreiros liderados por Martinho Bugreiro
Fonte: http://carolpereiraa.blogspot.com
Ele atuou nos municípios de Bom Retiro, sua terra natal; Alfredo Wagner onde
viveu por muitos anos; Ituporanga, Anitápolis, Esteves Júnior (Major Gercino),
Angelina e Brusque. O bugreiro nasceu por volta do ano de 1876, e com 18 anos
assumiu a profissão de bugreiro.
Após seu casamento mudou-se por diversas vezes entre os municípios de Rancho
Queimado e Alfredo Wagner, morou nas comunidades de Boa Vista, Caeté. Mais tarde Martim Bugreiro passou a residir
na comunidade da Catuíra antiga Colônia Militar Santa Tereza (atual Alfredo
Wagner). A fama de Martim Bugreiro na época da colonização era incontestável,
na crendice popular da região acredita-se que quando criança, o menino Martinho
teria sido raptado pelos bugres e vivido entre eles por alguns anos e que sua
mãe teria sido uma índia.
Uma história muito conhecida na região relacionada ao bugreiro é a da índia
Sophia. Relatos apontam que Martim Bugreiro teria matado os pais da menina,
trazendo para a colônia a indiazinha e seu irmão mais velho. O menino, não se
adaptou à vida entre os brancos e acabou morrendo. Já a menina, muito pequena,
recebeu o nome de Sophia. Aprendeu a comer a comida dos brancos, tomava banho e
até foi batizada. Sophia morreu há pouco mais de quarenta anos e está enterrada
no cemitério da Igreja Evangélica Luterana em Taquaras.
Outra história que envolve a figura de Martim Bugreiro diz respeito a sua
morte. A crendice popular da região aponta que Martim foi morto por um índio
que ele teria levado para casa após ter dizimado sua tribo. O indiozinho teria
sido criado por seu capataz Ingraço e sua mulher Naná. O bugrinho até mesmo
teria participado de algumas caçadas a outros índios, pois era muito bom em
“farejar” os rastros dos bugres, porém teria matado Martinho com uma facada no
pescoço.
São várias as histórias que ainda são contadas em nossa região sobre os
bugres, porém em sua maioria lamentavelmente sobre o massacre dos índios. Ainda em
entrevista a João Leonir Dall’ Alba, Ireno Pinheiro relata que era comum em uma
caçada matar de 15 a 20, a sangue frio. E que somente João Domingos teria
matado mais de mil bugres durante o período de bugreiro. Dados lastimáveis a serem lembrados em uma história que deve ser esquecida.
CURIOSIDADES SOBRE OS BUGRES
Meu avô Augusto Meurer
sempre contou várias histórias sobre os indígenas da região, minha mãe Salete relembra
duas histórias que meu avô sempre contava. A primeira era de quando Augusto
Meurer era pequeno e morava na comunidade do Rio Cachimbo. Ele tinha uns oito
anos de idade (em 1930) e sua mãe Lydia Weber Meurer fazia muitas armadilhas de
caça; e durante o dia iam conferir se havia algum animal abatido. Ele contava
que algumas vezes eles encontravam bugres, retirando os animais das armadilhas;
então quando os índios lhes avistavam, corriam e se escondiam entre as árvores.
Em sua história, meu avô Augusto
ainda relatava que entre os indígenas daquela tribo havia um pequeno bugre que
tinha uma deficiência nas pernas; ele era o mais curioso do grupo. Quando
ele nos via; saia rapidamente se arrastando ou correndo somente com o apoio de
uma das pernas, então pegava um pedaço de pau ou pedra e ficava batendo nas
árvores e gritando para nos amedrontar. Na maioria das vezes eu e minha mãe Lydia recuávamos, então ele começava a soltar gargalhadas.
Outro fato que meu avô Augusto,
gostava de contar era sobre o sumiço dos cães. Ele falava que na época seu pai
Rodolfo possuía muitos cachorros, tanto para proteção quanto para caça. Então
em um determinado período começou a sumir os cães de seu pai. Algum tempo
depois, Zé Bugreiro relatou para Rodolfo que tinha encontrado muitos cães
amarrados em um acampamento de bugres e tinha sido cortada a ponta da língua
dos cachorros para não chamar a atenção do homem branco que passava por perto
da tribo. (Segundo Zé Bugreiro sem a ponta da língua eles não latiam).