quarta-feira, 6 de março de 2019


BUGRES E BUGREIROS DE ANITÁPOLIS E REGIÃO

N
ossa região era desconhecida e hostil, habitada por nativos conhecido popularmente como bugres. Contrários a esses, surgiu uma profissão conhecida como bugreiro ou matador de índios, sua função era caçar e exterminar os nativos que causavam algum dano aos colonos da região.

Os índios da região sobreviviam especialmente da caça e do coletivismo, com a expansão do Núcleo Colonial, tanto a área de coleta, quanto a caça foi se extinguindo. Em entrevista com Ireno Pinheiro no livro Vale do Braço do Norte (Pe João Leonir Dall’alba, 1973, pag. 363) ele relata: “Naquela época Ireno, o senhor caçava; e que bichos havia na época? - Gostava de caçar muito, principalmente veados, lembro um vez peguei quinze veados em um só mundéu.

Com esse avanço da colonização e a escassez de alimentos, a fome obrigou os índios a recorrer de fontes alimentares, tais como: plantações de colonos, criações e até mesmo mantimentos das casas. Em relatos de munícipes eram comum às histórias de familiares que tiveram contato com os bugres, várias histórias de casas que eram saqueadas. Os indígenas invadiam as casas em busca de alimento, levavam tudo que achavam que podia ser alimento, inclusive sabão. Eles tinham resistência somente à carne de seca (carne de fumeiro) e quando os mesmos a saqueavam, mais a frente descartavam, pois não era comum a utilização do sal pelos indígenas.

A partir desse momento os bugres começaram ser vistos como criaturas hostis e deveriam ser eliminados, antes que o problema se alastrasse. É bom deixar bem claro que no decorrer de nossa história regional, temos poucos relatos de ataque de indígenas aos colonos, e que os mesmos tinham mais medo dos colonos, do que os colonos deles.

 Mas, impulsionados pelo medo do desconhecido e com a imagem que era reproduzida dos indígenas pelo europeu, entrou em cena os bugreiros, matadores profissionais que recebiam pagamento dos colonos ou até mesmo do núcleo para exterminar os índios.

Os bugreiros mais conhecidos de nossa região foram Zé e João Domingos, Martim Bugreiro, Ireno Pinheiro, Henrique Vandresen e outro indivíduo conhecido como Idalino. Esses bugreiros tornaram-se famosos na região devido suas crueldades praticadas com os índios.


Ireno Pinheiro, popularmente conhecido por Ireno Bugreiro, tornou-se morador do município de Santa Rosa de Lima, logo após seu casamento em 1915.   Era um hábil conhecedor das matas da região do Vale do Braço do Norte e Encosta da Serra Geral. Ireno foi um grande caçador de índios, era famoso por ser um exímio atirador, até perder a visão do olho esquerdo. Certa vez ao atirar em uma jacucaca (ave), foi atingido no olho por estilhaços de espoleta. Apesar de sua fama de matador de bugre, os moradores locais o consideravam uma pessoa boa e pacata.

Fonte: Santa Rosa de Lima: História e Memória da Colonização e Emancipação

Muitos contam até hoje, como eram as atrocidades praticas com os indígenas, conta-se que após a morte dos adultos, algumas crianças eram lançadas para o alto e aparadas na ponta do facão. Depois de todos mortos, eram retiradas as orelhas da direita para entregar aos contratantes e comprovar o cumprimento do trabalho.

Em entrevista a João Leonir Dall’Alba, em seu livro O Vale do Braço do Norte, Zé Domingos e Ireno Pinheiro relatam que em uma única caçada na propriedade de Germano Kulkamp eles trouxeram quase cinquenta cintos de tucum (cinto indígena). Ainda em entrevista Zé Domingos relata que em uma caçada Ireno encontrou um indiozinho vivo entre os corpos e que achou engraçadinho e resolveu levar para casa para criar. Ireno colocou o indiozinho nas costas e começou a andar, depois de alguns minutos de caminhada o pequeno índio atacou o bugreiro com mordidas.  Ireno enfurecido grita “tú que é morrer, seu diabo”, então ele pediu para lançar o indiozinho para cima e ele o aparou na ponta do facão.

Diante de tantos fatos horrendos, o entrevistador João Leonir Dall’Alba pergunta para Domingos se ele tinha algum remorso. Ele relata que a única situação que o perturbou foi o acontecido na região de Rio do Sul. Eles estavam caçando um grupo de índios na região, após o ataque ao acampamento, no auge da matança ele escuta uma voz, “Não me mate, não me mate, eu não sou bugre”. O bugreiro conta que era uma menina que tinha sido capturada pelos bugres e que eles resolveram levar ela ao encontra da família. Em um determinado ponto do caminho, o pensamento sinistro do bugreiro falou mais alto. Esse caso dessa menina vai chamar a atenção dos jornais e das autoridades, todos vão querer saber como essa menina foi salva, então vão saber sobre as matanças. Então sem pensar duas vezes, executou a menina com um golpe de facão.

A história de Domingos chama tanto a atenção que em 2018, tornou um filme de curta-metragem dirigido pelo cineasta Sander Hahn, juntamente o escritor Marcello Zapelini da Rosa e a participação Edi Balod e Marx Vamerlatti. O filme tem 19 minutos, descreve o interior de Santa Catarina como palco de um conflito entre os nativos da tribo Xokleng e os imigrantes europeus. Em meio a isso, uma família de colonos vive sua rotina de trabalho em sua propriedade quando é vítima de um massacre. Passados trinta anos, o único sobrevivente, Antônio, atormentado por lembranças sai em busca de vingança.

Cartaz do Filme sobre Domingos Bugreiro

O trailer do filme está disponível no Youtube, no endereço:
<https://www.youtube.com/watch?v=6Lh4ZmOQrU0>
                                      

Outro bugreiro muito conhecido na região por ser um exímio caçador de bugres foi Martim Bugreiro. Nascido em Bom Retiro, era um hábil conhecedor tanto da região serrana quanto do litoral.  Martim Bugreiro ficou conhecido como o mais famoso exterminador de índios da região.




Grupo de Bugreiros liderados por Martinho Bugreiro
Fonte: http://carolpereiraa.blogspot.com

Ele atuou nos municípios de Bom Retiro, sua terra natal; Alfredo Wagner onde viveu por muitos anos; Ituporanga, Anitápolis, Esteves Júnior (Major Gercino), Angelina e Brusque. O bugreiro nasceu por volta do ano de 1876, e com 18 anos assumiu a profissão de bugreiro.


Após seu casamento mudou-se por diversas vezes entre os municípios de Rancho Queimado e Alfredo Wagner, morou nas comunidades de Boa Vista, Caeté.  Mais tarde Martim Bugreiro passou a residir na comunidade da Catuíra antiga Colônia Militar Santa Tereza (atual Alfredo Wagner). A fama de Martim Bugreiro na época da colonização era incontestável, na crendice popular da região acredita-se que quando criança, o menino Martinho teria sido raptado pelos bugres e vivido entre eles por alguns anos e que sua mãe teria sido uma índia.

Uma história muito conhecida na região relacionada ao bugreiro é a da índia Sophia. Relatos apontam que Martim Bugreiro teria matado os pais da menina, trazendo para a colônia a indiazinha e seu irmão mais velho. O menino, não se adaptou à vida entre os brancos e acabou morrendo. Já a menina, muito pequena, recebeu o nome de Sophia. Aprendeu a comer a comida dos brancos, tomava banho e até foi batizada. Sophia morreu há pouco mais de quarenta anos e está enterrada no cemitério da Igreja Evangélica Luterana em Taquaras.

Outra história que envolve a figura de Martim Bugreiro diz respeito a sua morte. A crendice popular da região aponta que Martim foi morto por um índio que ele teria levado para casa após ter dizimado sua tribo. O indiozinho teria sido criado por seu capataz Ingraço e sua mulher Naná. O bugrinho até mesmo teria participado de algumas caçadas a outros índios, pois era muito bom em “farejar” os rastros dos bugres, porém teria matado Martinho com uma facada no pescoço.

São várias as histórias que ainda são contadas em nossa região sobre os bugres, porém em sua maioria lamentavelmente sobre o massacre dos índios. Ainda em entrevista a João Leonir Dall’ Alba, Ireno Pinheiro relata que era comum em uma caçada matar de 15 a 20, a sangue frio. E que somente João Domingos teria matado mais de mil bugres durante o período de bugreiro. Dados lastimáveis  a serem lembrados em uma história que deve ser esquecida.


CURIOSIDADES SOBRE OS BUGRES

Meu avô Augusto Meurer sempre contou várias histórias sobre os indígenas da região, minha mãe Salete relembra duas histórias que meu avô sempre contava. A primeira era de quando Augusto Meurer era pequeno e morava na comunidade do Rio Cachimbo. Ele tinha uns oito anos de idade (em 1930) e sua mãe Lydia Weber Meurer fazia muitas armadilhas de caça; e durante o dia iam conferir se havia algum animal abatido. Ele contava que algumas vezes eles encontravam bugres, retirando os animais das armadilhas; então quando os índios lhes avistavam, corriam e se escondiam entre as árvores.

Em sua história, meu avô Augusto ainda relatava que entre os indígenas daquela tribo havia um pequeno bugre que tinha uma deficiência nas pernas; ele era o mais curioso do grupo. Quando ele nos via; saia rapidamente se arrastando ou correndo somente com o apoio de uma das pernas, então pegava um pedaço de pau ou pedra e ficava batendo nas árvores e gritando para nos amedrontar. Na maioria das vezes eu e minha mãe Lydia  recuávamos, então ele começava a soltar gargalhadas.

Outro fato que meu avô Augusto, gostava de contar era sobre o sumiço dos cães. Ele falava que na época seu pai Rodolfo possuía muitos cachorros, tanto para proteção quanto para caça. Então em um determinado período começou a sumir os cães de seu pai. Algum tempo depois, Zé Bugreiro relatou para Rodolfo que tinha encontrado muitos cães amarrados em um acampamento de bugres e tinha sido cortada a ponta da língua dos cachorros para não chamar a atenção do homem branco que passava por perto da tribo. (Segundo Zé Bugreiro sem a ponta da língua eles não latiam).

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