sexta-feira, 22 de março de 2019



COMBATE DA SERRA DA GARGANTA - 1930 









        Com a derrota de Getúlio Vargas nas eleições 1930, eclodiu uma insatisfação política que resultou em uma revolução no Rio Grande do Sul que se alastrou por todo país. Insatisfeitos com o resultado fraudulento das eleições de 30, os revolucionários com o apoio de Minas Gerais partiram em outubro de 1930, rumo ao Rio de Janeiro, capital do Brasil naquela época.

A ligação serrana entre a capital catarinense e o estado do Rio Grande do Sul, era feita pela estrada da Serra da Garganta que passava por Anitápolis, do contrário o trajeto teria que feito costeando as praias.

Em 16 de outubro de 1930, uma equipe de aproximadamente cem homens, comandados pelo Tenente Fábio Silva, armados e entrincheirados resolveram conter o avanço das Tropas Getulistas ao fazerem a travessia da Serra Garganta (Município de Anitápolis).


 Fábio Silva na verdade era um simples civil que foi nomeado pelo governo do estado na época devido ao conhecimento com munícipes da região, pois ele era um empreiteiro responsável pela abertura/ alargamento da estrada entre os municípios de Anitápolis, Santa Rosa de Lima e Rio Fortuna; e por esse motivo conhecia muitas pessoas, ou seja, possíveis soldados.

Entre as pessoas que foram recrutadas muitos desses nem sabiam do que se tratava, somente lhes fora dito que os homens que viriam da região sul eram perigosos bandidos e saqueadores.

Sabe-se que o governo catarinense praticamente obrigou a participação dos munícipes nesse processo, tanto pelas suas omissões de informação quanto pelo seu lema imponente, relatado no livro o Vale do Braço do Norte, escrito por (Pe João Leonir Dall’alba, 1973, pag. 343) que traz a seguinte frase do então nomeado Tenente Fábio Silva: “Quem não vem por bem, vai no laço”.

Com esforço o tenente conseguiu juntar em torno de (60) sessenta homens a paisana, com mais alguns militares da brigada da capital (Florianópolis) sob o comando do Tenente Mira, totalizando um total de um pouco mais de 100 soldados. Os combatentes receberam fuzis winchester e mauser, além de 03 metralhadoras. Em uma das curvas da estrada foi montado uma trincheira com troncos de xaxim, esse era o local onde se concentrava o maior numero de soldados. Em outros dois locais, próximo a trincheira, foram distribuídos dois piquetes com 15 soldados. 

Com a manobra imposta pelo governo catarinense, os civis anitapolitanos e recrutas da região posicionaram-se em local estratégico, o grupo possuía um domínio visual amplo de toda a Serra da Garganta, a vitória seria certa.

Devido às dificuldades oferecidas pela natureza os legalistas se descuidaram da retaguarda, foi nesse descuido que os getulistas guiados por dois bugreiros exímios conhecedores das matas surpreenderam legalistas entrincheirados e desprevenidos. Os bugreiros Zé e João Domingos foram contratados pelos getulistas, após saberem da emboscada na região da Serra da Garganta.

  Apesar do combate, as tropas getulistas não enfrentaram grande resistência na passagem pelo estado catarinense, em Araranguá tomaram o trem, em Criciúma, Tubarão, Gravatal e Armazém e demais municípios da região tomavam as prefeituras e os comércios.

 Seguindo ordens do governo, foram retiradas pontes e rolado grandes pedras no caminho para atrapalhar a passagem das tropas revolucionarias. Entretanto os getulistas não enfrentaram grandes desafios até chegarem ao Núcleo Colonial de Anitápolis, com uma tropa de 1200 soldados, entre eles 35 oficiais, todos sob o comando do General Assis Brasil.

Sálvio Brasil relata no livro o Vale do Braço do Norte, que pouco antes do combate teria ouvido tiros, achou que fossem os oficiais legalistas testando as armas ou até mesmo a coragem dos anitapolitanos, mas ao virar-se viu os lenços vermelhos a descerem pela encosta íngreme.

 Ele relata que ainda tentou se refugiar mais foi atingido no ombro, enquanto ferido ao chão pode ver o massacre, e a coragem de um concidadão anitapolitano chamado Angelino Marques cozinheiro do pelotão, o último a se entregar que apesar de muito ferido, deixou de atirar com sua carabina, somente depois de receber uma rajada de metralhadora em seu peito.

Entre os mortos e feridos do Combate da Garganta não podemos relatar um número exato, pois os fatos se desencontram através dos telegramas enviados.

No primeiro telegrama enviado para Getúlio Vargas, é relato que o combate durou cerca de duas horas consumindo “dois mil quinhentos quarenta e sete cartuchos Mauser”. Como resultado verificou o major “se acharem mortos seis ocupantes das aludidas trincheiras, e aprisionados trinta e três, dentre os quais o capitão Fábio Silva e segundo tenente Romão Mira de Araújo, dois sargentos e doze soldados, todos pertencentes à Força Pública de Santa Catarina, sendo os demais civis, dos quais três foram feridos”.

O mesmo major que registra o acontecimento em outro telegrama no dia 17/10 ao seu comandante em Porto Alegre dizendo: “Tomei trincheiras da Serra Anitápolis, lugar denominado Garganta. Inimigo tomado de surpresa espavoriu-se, ganhando o mato. Conseguimos fazer trinta e dois prisioneiros, ficando quinze mortos e seis feridos”.
       
Após o combate os soldados anitapolitanos foram levados ao acampamento revolucionário, onde foram bem tratados, cuidaram de seus ferimentos e os alimentaram. Alguns foram levados até Florianópolis, onde permaneceram por um tempo encarcerado, outros fugiram e por dias ficaram perdidos na mata.
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Com o fim do Combate da Garganta e após as Tropas Revolucionárias consolidarem a revolução, Anitápolis é esquecido pela administração publica estadual, o Patronato Agrícola é retirado do local, e o município foi privado de quase todos os meios de comunicação exceto a agência postal.

 Através dessas medidas o núcleo foi aos poucos se desfazendo, os lotes desvalorizando, as dividas aumentando o que ocasionou em um processo de êxodo do Núcleo.

Atualmente a região onde ocorreu o combate está sofrendo as consequências do abandono, os mortos que foram enterrados em uma das curvas da Serra da Garganta foram retirados e sepultados em cemitérios da região. E os combatentes mortos são relembrados através de uma cruz e uma placa em homenagem as combatentes.

quarta-feira, 6 de março de 2019


BUGRES E BUGREIROS DE ANITÁPOLIS E REGIÃO

N
ossa região era desconhecida e hostil, habitada por nativos conhecido popularmente como bugres. Contrários a esses, surgiu uma profissão conhecida como bugreiro ou matador de índios, sua função era caçar e exterminar os nativos que causavam algum dano aos colonos da região.

Os índios da região sobreviviam especialmente da caça e do coletivismo, com a expansão do Núcleo Colonial, tanto a área de coleta, quanto a caça foi se extinguindo. Em entrevista com Ireno Pinheiro no livro Vale do Braço do Norte (Pe João Leonir Dall’alba, 1973, pag. 363) ele relata: “Naquela época Ireno, o senhor caçava; e que bichos havia na época? - Gostava de caçar muito, principalmente veados, lembro um vez peguei quinze veados em um só mundéu.

Com esse avanço da colonização e a escassez de alimentos, a fome obrigou os índios a recorrer de fontes alimentares, tais como: plantações de colonos, criações e até mesmo mantimentos das casas. Em relatos de munícipes eram comum às histórias de familiares que tiveram contato com os bugres, várias histórias de casas que eram saqueadas. Os indígenas invadiam as casas em busca de alimento, levavam tudo que achavam que podia ser alimento, inclusive sabão. Eles tinham resistência somente à carne de seca (carne de fumeiro) e quando os mesmos a saqueavam, mais a frente descartavam, pois não era comum a utilização do sal pelos indígenas.

A partir desse momento os bugres começaram ser vistos como criaturas hostis e deveriam ser eliminados, antes que o problema se alastrasse. É bom deixar bem claro que no decorrer de nossa história regional, temos poucos relatos de ataque de indígenas aos colonos, e que os mesmos tinham mais medo dos colonos, do que os colonos deles.

 Mas, impulsionados pelo medo do desconhecido e com a imagem que era reproduzida dos indígenas pelo europeu, entrou em cena os bugreiros, matadores profissionais que recebiam pagamento dos colonos ou até mesmo do núcleo para exterminar os índios.

Os bugreiros mais conhecidos de nossa região foram Zé e João Domingos, Martim Bugreiro, Ireno Pinheiro, Henrique Vandresen e outro indivíduo conhecido como Idalino. Esses bugreiros tornaram-se famosos na região devido suas crueldades praticadas com os índios.


Ireno Pinheiro, popularmente conhecido por Ireno Bugreiro, tornou-se morador do município de Santa Rosa de Lima, logo após seu casamento em 1915.   Era um hábil conhecedor das matas da região do Vale do Braço do Norte e Encosta da Serra Geral. Ireno foi um grande caçador de índios, era famoso por ser um exímio atirador, até perder a visão do olho esquerdo. Certa vez ao atirar em uma jacucaca (ave), foi atingido no olho por estilhaços de espoleta. Apesar de sua fama de matador de bugre, os moradores locais o consideravam uma pessoa boa e pacata.

Fonte: Santa Rosa de Lima: História e Memória da Colonização e Emancipação

Muitos contam até hoje, como eram as atrocidades praticas com os indígenas, conta-se que após a morte dos adultos, algumas crianças eram lançadas para o alto e aparadas na ponta do facão. Depois de todos mortos, eram retiradas as orelhas da direita para entregar aos contratantes e comprovar o cumprimento do trabalho.

Em entrevista a João Leonir Dall’Alba, em seu livro O Vale do Braço do Norte, Zé Domingos e Ireno Pinheiro relatam que em uma única caçada na propriedade de Germano Kulkamp eles trouxeram quase cinquenta cintos de tucum (cinto indígena). Ainda em entrevista Zé Domingos relata que em uma caçada Ireno encontrou um indiozinho vivo entre os corpos e que achou engraçadinho e resolveu levar para casa para criar. Ireno colocou o indiozinho nas costas e começou a andar, depois de alguns minutos de caminhada o pequeno índio atacou o bugreiro com mordidas.  Ireno enfurecido grita “tú que é morrer, seu diabo”, então ele pediu para lançar o indiozinho para cima e ele o aparou na ponta do facão.

Diante de tantos fatos horrendos, o entrevistador João Leonir Dall’Alba pergunta para Domingos se ele tinha algum remorso. Ele relata que a única situação que o perturbou foi o acontecido na região de Rio do Sul. Eles estavam caçando um grupo de índios na região, após o ataque ao acampamento, no auge da matança ele escuta uma voz, “Não me mate, não me mate, eu não sou bugre”. O bugreiro conta que era uma menina que tinha sido capturada pelos bugres e que eles resolveram levar ela ao encontra da família. Em um determinado ponto do caminho, o pensamento sinistro do bugreiro falou mais alto. Esse caso dessa menina vai chamar a atenção dos jornais e das autoridades, todos vão querer saber como essa menina foi salva, então vão saber sobre as matanças. Então sem pensar duas vezes, executou a menina com um golpe de facão.

A história de Domingos chama tanto a atenção que em 2018, tornou um filme de curta-metragem dirigido pelo cineasta Sander Hahn, juntamente o escritor Marcello Zapelini da Rosa e a participação Edi Balod e Marx Vamerlatti. O filme tem 19 minutos, descreve o interior de Santa Catarina como palco de um conflito entre os nativos da tribo Xokleng e os imigrantes europeus. Em meio a isso, uma família de colonos vive sua rotina de trabalho em sua propriedade quando é vítima de um massacre. Passados trinta anos, o único sobrevivente, Antônio, atormentado por lembranças sai em busca de vingança.

Cartaz do Filme sobre Domingos Bugreiro

O trailer do filme está disponível no Youtube, no endereço:
<https://www.youtube.com/watch?v=6Lh4ZmOQrU0>
                                      

Outro bugreiro muito conhecido na região por ser um exímio caçador de bugres foi Martim Bugreiro. Nascido em Bom Retiro, era um hábil conhecedor tanto da região serrana quanto do litoral.  Martim Bugreiro ficou conhecido como o mais famoso exterminador de índios da região.




Grupo de Bugreiros liderados por Martinho Bugreiro
Fonte: http://carolpereiraa.blogspot.com

Ele atuou nos municípios de Bom Retiro, sua terra natal; Alfredo Wagner onde viveu por muitos anos; Ituporanga, Anitápolis, Esteves Júnior (Major Gercino), Angelina e Brusque. O bugreiro nasceu por volta do ano de 1876, e com 18 anos assumiu a profissão de bugreiro.


Após seu casamento mudou-se por diversas vezes entre os municípios de Rancho Queimado e Alfredo Wagner, morou nas comunidades de Boa Vista, Caeté.  Mais tarde Martim Bugreiro passou a residir na comunidade da Catuíra antiga Colônia Militar Santa Tereza (atual Alfredo Wagner). A fama de Martim Bugreiro na época da colonização era incontestável, na crendice popular da região acredita-se que quando criança, o menino Martinho teria sido raptado pelos bugres e vivido entre eles por alguns anos e que sua mãe teria sido uma índia.

Uma história muito conhecida na região relacionada ao bugreiro é a da índia Sophia. Relatos apontam que Martim Bugreiro teria matado os pais da menina, trazendo para a colônia a indiazinha e seu irmão mais velho. O menino, não se adaptou à vida entre os brancos e acabou morrendo. Já a menina, muito pequena, recebeu o nome de Sophia. Aprendeu a comer a comida dos brancos, tomava banho e até foi batizada. Sophia morreu há pouco mais de quarenta anos e está enterrada no cemitério da Igreja Evangélica Luterana em Taquaras.

Outra história que envolve a figura de Martim Bugreiro diz respeito a sua morte. A crendice popular da região aponta que Martim foi morto por um índio que ele teria levado para casa após ter dizimado sua tribo. O indiozinho teria sido criado por seu capataz Ingraço e sua mulher Naná. O bugrinho até mesmo teria participado de algumas caçadas a outros índios, pois era muito bom em “farejar” os rastros dos bugres, porém teria matado Martinho com uma facada no pescoço.

São várias as histórias que ainda são contadas em nossa região sobre os bugres, porém em sua maioria lamentavelmente sobre o massacre dos índios. Ainda em entrevista a João Leonir Dall’ Alba, Ireno Pinheiro relata que era comum em uma caçada matar de 15 a 20, a sangue frio. E que somente João Domingos teria matado mais de mil bugres durante o período de bugreiro. Dados lastimáveis  a serem lembrados em uma história que deve ser esquecida.


CURIOSIDADES SOBRE OS BUGRES

Meu avô Augusto Meurer sempre contou várias histórias sobre os indígenas da região, minha mãe Salete relembra duas histórias que meu avô sempre contava. A primeira era de quando Augusto Meurer era pequeno e morava na comunidade do Rio Cachimbo. Ele tinha uns oito anos de idade (em 1930) e sua mãe Lydia Weber Meurer fazia muitas armadilhas de caça; e durante o dia iam conferir se havia algum animal abatido. Ele contava que algumas vezes eles encontravam bugres, retirando os animais das armadilhas; então quando os índios lhes avistavam, corriam e se escondiam entre as árvores.

Em sua história, meu avô Augusto ainda relatava que entre os indígenas daquela tribo havia um pequeno bugre que tinha uma deficiência nas pernas; ele era o mais curioso do grupo. Quando ele nos via; saia rapidamente se arrastando ou correndo somente com o apoio de uma das pernas, então pegava um pedaço de pau ou pedra e ficava batendo nas árvores e gritando para nos amedrontar. Na maioria das vezes eu e minha mãe Lydia  recuávamos, então ele começava a soltar gargalhadas.

Outro fato que meu avô Augusto, gostava de contar era sobre o sumiço dos cães. Ele falava que na época seu pai Rodolfo possuía muitos cachorros, tanto para proteção quanto para caça. Então em um determinado período começou a sumir os cães de seu pai. Algum tempo depois, Zé Bugreiro relatou para Rodolfo que tinha encontrado muitos cães amarrados em um acampamento de bugres e tinha sido cortada a ponta da língua dos cachorros para não chamar a atenção do homem branco que passava por perto da tribo. (Segundo Zé Bugreiro sem a ponta da língua eles não latiam).